quarta-feira, 31 de março de 2010

50 anos de Quarto de Despejo

Nossa amiga Deise Benedito nos lembra que neste ano completa-se meio século de publicação do livro Quarto de Despejo, de Carolina de Jesus. Provavelmente a maioria das pessoas já sabe a história, mas não custa repeti-la: nascida em Sacramento, Minas Gerais, e moradora da favela do Canindé, em São Paulo, Carolina sobrevivia como “catadora” de lixo, e foi no lixo que encontrou o seu passe para fora daquele mundo: um velho caderno. Neste caderno começou a escrever um diário nos meados da década de 50. Em 1958, um jornalista, Audálio Dantas, ao fazer uma matéria sobre a favela, foi informado que uma das moradoras tinha um diário. Audálio teve acesso aos escritos e ajudou a editá-los.

Fonte: ...E disse o velho militante, de Cuti

Em 1960 era lançado o livro com o sugestivo título Quarto de Despejo. Segundo Carolina, “a favela é o quarto de despejo de uma cidade”. O livro se tornou em pouco tempo um best seller, tendo sido vendidos mais de cem mil exemplares em pouco menos de um ano. A obra alcançou repercussão no Brasil e no exterior e Carolina viajou para vários países. Talvez Carolina tenha sido nossa primeira escritora “periférica”.

Aqui no Brasil, com o decorrer do tempo e devido a varios fatores, Carolina foi esquecida, mas em outros lugares, não, como demonstra o filme Preciosa, já que segundo a escritora Sapphire, autora da obra de onde foi adaptado o filme, o livro de Carolina foi uma de suas fontes.

Um livro ainda pouco conhecido de Carolina, mas provavelmente até mais impactante que Quarto de Despejo, é Diário de Bitita, que retrata seu percurso desde a infância em sua cidade natal.

Jeferson De tem um curta sobre Carolina e também o documentário que está no link abaixo:

Documentário sobre Carolina

sexta-feira, 26 de março de 2010

Palmares promove exposição e debate sobre arte africana

Palmares promove exposição e debate sobre arte africana
(25/03/2010 - 17:13)

A exposição de arte africana de Acácio Videira será aberta na próxima segunda-feira (29), às 17h na sede da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Além da exposição a Fundação ainda promove, no mesmo dia, um seminário sobre a diáspora africana na Colômbia e um debate sobre a arte africana, todos aberto ao público e com entrada gratuita. A exposição poderá ser visitada até o dia 29 de abril.

A mostra é um projeto do Instituto Cultural Bata-Kotô com patrocínio da Palmares e conta com 14 esculturas em madeira, sete esculturas em marfim, além de oito máscaras e reproduções de pinturas produzidas por Acácio Videira. O artista morou e trabalhou em Angola cerca de 30 anos e a partir dos conhecimentos adquiridos sobre a arte e a cultura angolana recriou máscaras e esculturas que compõem originalmente a arte africana. A exposição tem a curadoria de Juliana Augusta Vieira

No dia da abertura acontece também o seminário Memórias da diáspora africana na Colômbia: O Palenque de San Basílio, com Joseania Freitas, Pesquisadora do Museu Afro-Brasileiro e chefe do Departamento de Museologia da Universidade Federal da Bahia e um debate sobre a Arte Africana no Brasil, com José Manuel, filho de Acácio.

Acácio Videira (1918-2008)

O artista nasceu em Portugal, mas morou grande parte de sua vida em Angola. Em 1975, devido às guerras angolanas, transferiu-se para o Brasil e, a partir de 1986, morou em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Naturalizado brasileiro recebeu o título de cidadão honorário da cidade.

Serviço:

Seminário: Memórias da diáspora africana na Colômbia: O Palenque de San Basílio"
Joseania Freitas, Pesquisadora do Museu Afro-Brasileiro e chefe do Departamento de Museologia da Universidade Federal da Bahia
Dia: 29 de março de 2010
Horário: 11h
Local: Sede da Palmares, Setor Bancário Sul - Quadra 02 - Lote 11 - Ed. Elcy Meireles

Debate sobre a Arte Africana
José Manuel e mediação de Joseania Freitas
Dia: 29 de março de 2010
Horário: 11h
Local: Sede da Palmares

Abertura da exposição Acácio Videira - Arte Africana
Dia:
29 de março de 2010
Horário: 17h
Local: Sede da Palmares
Entrada gratuita

Projeto Parabólica

Sede da Palmares recebe participantes do Projeto Parabólica
(24/03/2010 - 17:33)

Brasília foi o terceiro estado brasileiro a receber o Projeto Parabólica. O encontro aconteceu hoje (24), no auditório sede da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. O projeto busca o debate direto entre a instituição e os agentes sociais interessados no desenvolvimento de políticas e projetos da cultura afro-brasileira.


Foto: Maria Paula

Participaram do primeiro dia do encontro agentes culturais, estudantes, secretaria de educação, representante de religião de matrizes africanas e movimentos ligados a cultura negra. Na abertura foi feita uma explanação sobre como funciona a Palmares e sobre a apresentação de projetos. Após apresentação os participantes conheceram a s instalações da Fundação.


Foto: Maria Paula

Amanhã o encontro dará continuidade com as orientações das áreas técnicas da Fundação sobre cada etapa do processo de apresentação de projetos.


Foto: Maria Paula

O coordenador Geral de Gestão Interna da Palmares, Remo Nonato,o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro, Maurício Reis e a representante do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, Vanessa Teles, receberam os participantes do evento. Para Nonato a Parabólica tem a importante função de mostrar a estrutura da FCP e aproximar as pessoas da divulgação e da disseminação da cultura negra.

segunda-feira, 22 de março de 2010

E O FAN???

FIT: MANIFESTAÇÃO??? E O FAN??? Sexta-feira, 19 de Março de 2010 10:27

Companheiras e Companheiros dos Movimentos Negro e Social.

Os artistas estão manifestando o cancelamento da edição FIT 2010.

Justo!

E o FAN??

Que dia nós vamos mostrar a REAL importância do Festival de Arte Negra - FAN???

Que dia vamos bater panelas, tirar a roupa e jogar água nesta nesta situação de desrespeito com a nossa CULTURA?

Chegou a hora!

ALIÁS, passou da hora de o FAN ser um Evento anual, como outros que existem na cidade.

Todos estão se movimentando: a Praça é Nossa, Praia da Estação, o FIT é nosso, e o FAN a quem pertence?

VAMOS APROVEITAR, POIS ESTE É UM ANO DE ELEIÇÕES.

O lema sugerido é: EU QUERO O FAN ANUALMENTE E PROVO!

Ritadeamorim.

A covardia coloca a questão: 'É seguro?'

O comodismo coloca a questão: 'É popular?'

A etiqueta coloca a questão: 'É elegante?'

Mas a consciência coloca a questão: 'É correto?'

E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura,

não é elegante, não é popular, mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta.

Martin Luther King

segunda-feira, 15 de março de 2010

Convite Comissão de Direitos Humanos 23/3/2010 14 horas - ALMG

Convite

Comissão de Direitos Humanos

Data: 23/3/2010

Horário: 14 horas

Local: Auditório - Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais

Membros Efetivos

Suplentes

Dep. Durval Ângelo / PT - Presidente

Dep. Maria Tereza Lara / PT

Dep. Fahim Sawan / PSDB - Vice-Presidente

Dep. Eros Biondini / PTB

Dep. Antônio Genaro / PSC

Dep. Gláucia Brandão / PPS

Dep. Delvito Alves / PTB

Dep. Ruy Muniz / DEM

Dep. Vanderlei Miranda / PMDB

Dep. Gilberto Abramo / PRB

Finalidade: Debater, em audiência pública, o Plano Nacional de Direitos Humanos.

Autor(es) do requerimento: Dep. Durval Ângelo

Convidados:

Élcio Pacheco, Membro da Rede Nacional de Advogados Populares - Renap e Assessor Jurídico da Comissão Pastoral da Terra em Minas Gerais - CPT;

José Francisco Neres, Membro do Diretório Estadual do Partido Comunista Brasileiro- PCB;

Ângela Maria da Silva Gomes, Movimento Negro Unificado- MNU-MG;

Anyky Lima, Coordenadora do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais - Cellos-MG;

Criméia Alice Schmidt de Almeida, Membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos;

Débora Del Guerra, Militante da Marcha Mundial das Mulheres;

Carlos Magno, Militante do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais - CELLOS-MG

e Secretário de Comunicação da ABGLT- Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Audiência pode ter consolidado tendência a favor das cotas



Fonte: Afropress: Foto:Nelson Jr/SCO/STF - 6/3/2010

Brasília

Terminou nesta sexta-feira (05/03) a Audiência Pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal para debater a adoção da política de cotas nas Universidades, deixando entre as mais de 300 lideranças negras e anti-racistas de todo o país que acompanharam os debates, a sensação de que a causa das ações afirmativas ganhou a maioria dos ministros do Supremo (veja o vídeo na TV Afropress).
Nos corredores do STF, além do clima de euforia - por conta da fragilidade dos argumentos dos contra – contabilizava-se como certo, os votos de pelo menos seis ministros favoráveis às ações afirmativas no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental movida pelo Partido Democratas (DEM): Marco Aurélio Melo, Joaquim Barbosa, Celso de Melo, Carmem Lúcia, Ellen Gracie, Ayres Brito, Dias Toffolli e do próprio Ricardo Lewandowski, o relator, responsável pela convocação da Audiência. O julgamento está previsto para acontecer ainda este ano. Mesmo que Toffolli se abstenha, pelo fato de já ter se posicionado sobre o tema como Advogado Geral da União, seriam seis os votos, entre onze ministros do Supremo. Contabiliza-se como tendo tendência a votar contra apenas o próprio presidente do Tribunal, Gilmar Mendes, César Peluso e Eros Grau, que se aposenta este ano por completar 70 anos.

Magistrado


Lewandowski foi muito elogiado pela iniciativa por todas as lideranças que usaram a tribuna. "É preciso elogiar a iniciativa do ministro", afirmou a doutora em Filosofia pela USP e uma das mais importantes lideranças negras do país, Sueli Carneiro.
Ele teve comportamento exemplar de magistrado, durante a condução dos trabalhos: sereno, porém, firme, como quando advertiu severamente o advogado Iben Noronha – um dos debatedores contrários – que desrespeitou o Tribunal e os ministros, ao pedir silêncio confundindo o ambiente da Corte com uma sala de aula. No último dia da Audiência e também com auditórios lotados, foi a vez de aparecer a ala política da campanha contra as cotas liderada pelo advogado José Roberto Ferreira Militão e por José Carlos Miranda, do Movimento Negro Socialista. Na ausência de Ivone Maggie, que não compareceu no dia anterior, mas mandou uma carta, lida pela advogada Roberta Kauffman, do DEM, Miranda e Militão ocuparam os 15 minutos que cabiam a cada um, repetindo a velha cantilena que tem ocupado espaço na grande mídia, em especial na Rede Globo de Televisão. Militão, que se diz a favor das ações afirmativas, é contra que o Estado legisle sobre o tema raça; Miranda fez a mistura de um marxismo que leu e não entendeu para repetir os chavões da velha esquerda brasileira, insensível à questão da raça. Sueli Carneiro, representando o Instituto da Mulher Negra de S. Paulo, Geledés, lembrou que o Estado brasileiro há tempos vem se manifetando em favor da busca da igualdade entre os cidadãos e usou declarações do ex-vice presidente da República, Marco Maciel, atual senador do DEM, em favor da igualdade, para concluir. “Se essa Corte entende que existe racismo, mesmo não havendo raças, se a inferioridade social não é inerente ao negro, posto que não existem raças, logo só pode ser fruto do racismo. Isso requer então, medidas específicas fundadas na racialidade segregada para romper os padrões de apartação social”. Ela rebateu os argumentos dos contra de que as cotas “teriam o poder de ameaçar os fundamentos políticos e jurídicos que sustentam a nação, ferir o princípio do mérito, colocar em risco a democracia e deflagrar o conflito racial. Poderosas, essas cotas”, ironizou Carneiro.

Mais que uma ideologia

Por sua vez, o sociólogo Marcos Cardoso (foto), falando em nome da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) foi contundente e certeiro: “A nossa luta por ações afirmativas e cotas raciais no Brasil tem uma perspectiva de futuro. Para nós o racismo não escolhe tempo, nem espaço, nem lugar. É mais que uma ideologia, é uma instituição em si, alimenta-se e retroalimenta-se cotidianiamente. Funciona sem conflitos e na base de pseudos consensos. A realidade do racismo é a violência em si. O que se está tratando nesses três dias é de humanidade, essa humanidade que, cotidianamente o racismo quer nos negar: a humanidade negro-africana”, salientou.
Cardoso destacou ainda o fato de que os negros no Brasil tem de demonstrar “genialidade para aquilo que, na verdade, basta um pequeno esforço”. “Vivemos em um país de tamanha iniqüidade racial, a ponto de se vitimizar a própria vítima e responsabilizar negros e negras pela sua própria exclusão: preguiçosos, indolentes e incompetentes, o mesmo discurso do século XIX na boca de um senador da República”, afirmou, fazendo alusão à intervenção do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que na véspera responsabilizou os negros pela própria escravidão e ofendeu as mulheres negras dizendo que consentiam nos estupros. “Antigamente se dizia: vocês não tem dados, vocês não conseguem provar e agora os Institutos de Pesquisa do Brasil expõem os dados, vem aqui dizer que esses dados estão sendo manipulados. “Eles não apresentam suas verdadeiras razões, ocultam seus preconceitos, silenciam e iventam os mais enviezados argumentos. É o velho racismo revestido de novas roupagens, porque o racismo muda, sofistica-se”, sublinhou.

Defesa das cotas


Ainda na parte da manhã, os juristas Fábio Konder Comparato e Flávia Piovesan – o primeiro representando a Rede Educafro e a segunda a Fundação Cultural Palmares – defenderam enfaticamente a política de cotas e ações afirmativas no acesso à Universidade.
Segundo Comparato “até hoje a Constituição foi descumprida no que diz respeito a proteção dos negros e pardos no ensino superior”, e as cotas e ações afirmativas seriam uma forma de garantir a diminuição da desigualdade social, uma vez que dos 10% mais pobres da população, 70%, ou seja, dois terços, são negros e recebem quase metade dos salários dos brancos. “Foram quase quatro séculos de escravidão e não suscitam a menor e mais leve discussão sobre a necessidade ética e jurídica de se dar aos descendentes de escravos uma mínima compensação por um estado de bestialidade ao qual eles foram reduzidos pelos grupos dirigentes”, disse. Piovesan disse que “as cotas são imperativo democrático a louvar o valor da diversidade e devem prevalecer em detrimento a esse suposto direito a perpertuação das desigualdades". “Para assegurar a igualdade, não basta apenas proibir a discriminação mediante legislação repressiva, pois a proibição da exclusão em si mesma não resulta automaticamente em inclusão. A adoção das cotas raciais tem amplo, consistente e sólido amparo jurídico”, afirmou a professora ao pedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) “celebre o triunfo dos direitos fundamentais, dos quais é o maior guardião”, concluiu.

Avaliação positiva


No período da tarde, reitores das Universidades Federais que adotam programas de cotas e ou ações Afirmativas, fizeram exposições com avaliação desses programas, em geral positivas como o coordenador da Comissão de Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor Renato Hyuda de Luna Pedrosa, para quem a instituição comprovou que “alunos oriundos da rede pública que ocupam cotas de negros, pardos ou índios têm um bom desempenho ao longo do curso e não abandonam os estudos".
Também o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas, disse que a entidade tem posição favorável às cotas. “A cada período que a gente tem enfrentado essa discussão nos fóruns da UNE esse tema tem ficado mais unânime. A cada congresso nós percebemos que há uma unidade maior no movimento estudantil brasileiro em relação a essa questão”, afirmou.

DEFESA DAS AÇOES AFIRMATIVAS E DAS COTAS RACIAIS PARA A POPULAÇAO NEGRA, POVOS INDIGENAS E ALUNOS EGRESSOS DAS ESCOLAS PUBLICAS BRASILEIRAS

Exmo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski

A nossa luta pelas ações afirmativas e por cotas raciais no Brasil tem uma perspectiva de futuro. O racismo não escolhe tempo, nem espaço, nem lugar. O racismo é mais que uma ideologia, é uma instituição em si, constituído na História. O racismo se realimenta, cotidianamente, pois, reforça-se no apoio incondicional das elites econômicas, movidas que são pelos seus privilégios e pelo que o eurocentrismo legou à Ciência e ao Mercado. As doutrinas eurocêntricas formaram parte significativa dos intelectuais brasileiros e influenciaram as instituições do Estado e as instituições privadas, entre essas, as instituições educacionais, de modo que, o processo de exclusão racial na sociedade brasileira funcione sem conflitos e na base de pseudos consensos.

Entretanto, sabemos que explicitar o racismo e, por ventura, os conflitos étnicos e raciais, é necessário e fundamental para evidenciar a desigualdade entre campos de Poder e romper com cristalização e a naturalização das desigualdades raciais. Ao fazer isso, o Movimento Negro Brasileiro revela, põe a nu, o quadro de violência física, material e simbólica a que a população negra, está submetida. Por essa razão, essa Audiência Pública sobre a constitucionalidade das políticas de ações afirmativas para grupos sociais historicamente excluídos é importantíssima pelos seus resultados no futuro, pelos impactos que poderá produzir no processo histórico da luta pela redução da violência que é o racismo e na promoção do desenvolvimento humano, porque o que estamos falando aqui é da humanidade, da humanidade negro-africana que racismo busca a todo o momento negar.

Senhor Ministro, as ações promovidas na Justiça brasileira com o objetivo de derrubar o sistema de cotas partem das mesmas alegações. Argumenta-se que o sistema de cotas fere o princípio da isonomia, que as Universidades não teriam autonomia para legislar sobre a matéria, que o conceito de raças está superado com o avanço das Ciências biológicas e da Genética, que os problemas da realidade social brasileira restringe-se à dicotomia ricos e pobres, enfim, uma repetição enfadonha da cantilena de gilbertofreyriana e dos seus seguidores, inconformados com a emancipação e autonomia dos históricos sujeitos sociais subalternos.

Todavia, toda decisão jurídica é um palco de lutas e de conflitos políticos duros e polêmicos. Assim, entendemos que a discussão sobre as políticas de ações afirmativas e as cotas raciais precisam ser pensadas a partir do que representa o racismo na sociedade brasileira. Esse é o centro do nosso debate.

Marcada pela hierarquização racial, a nossa sociedade moldou-se como um modelo racista sui generis. Aqui, não se precisa de um instrumento legal para excluir objetivamente a população negra das possibilidades efetivas de emancipação econômica, política, acadêmica e social. A partir do discurso da sociedade harmônica e pacífica articularam-se fórmulas objetivas e eficazes que geram barreiras para a ascensão social negra, de forma que, cotidianamente, negras e negros são postos à prova tendo que demonstrar genialidade para aquilo que, em verdade, bastaria algum esforço. É o racismo institucionalizado pela imprensa, pelo judiciário, pelo senso comum, pela escola e sobretudo, pela Academia.

A legitimação simbólica e política se dá pela reprodução de que somos todos iguais, que vivemos numa sociedade multicultural e de que o cruzamento racial se deu a partir de bases integradoras. Na realidade, porém, vivemos num país de tamanha iniqüidade racial ao ponto de se passar a responsabilizar os (as) negros (as) pela sua própria exclusão, alegando que, se todos são iguais, com as mesmas oportunidades, os que não "progridem" é porque são preguiçosos e incompetentes.

Ora, a afirmação de que com a aplicação de medidas como as ações afirmativas e as cotas raciais, negros e negras estariam sendo beneficiados por um sistema inconstitucional e discriminatório, reforça a idéia em que as vítimas são postas como algozes que, com a política de cotas raciais, estariam injustamente "tomando" as vagas dos jovens brancos. Esta é uma operação social que faz uma inversão e justifica o racismo de Estado, é a vitória da (falsa) neutralidade estatal.

Outra alegação é a de que não haveria nos Conselhos das Universidades Públicas a prerrogativa para implementar a política de cotas. Este argumento reforça a tentativa de controle externo nas Instituições de Ensino Superior que fere, frontalmente, o princípio ético, acadêmico, político e constitucional da autonomia universitária, sobretudo, neste momento em que a fúria neoliberal avança sobre as Universidades Públicas, impondo-lhes formas de regulamentação e controle.

É inequívoca, a prerrogativa dos Conselhos das Universidades Públicas para estabelecer, segundo as suas próprias interpretações e em consonância com os valores constitucionais, seus próprios sistemas e critérios político-acadêmicos para seleção de estudantes. Há, apenas, o exercício legítimo da prerrogativa constitucional exercido pela Comunidade Universitária das Universidades públicas brasileiras, que nos últimos anos vem adotando políticas de reserva de vagas.

Outro argumento é o da impertinência do critério raça/cor na definição de políticas públicas. Que o fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades e que a ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco.

Tal alegação é recorrente na discussão da política de cotas, e constitui-se como estrutura do discurso do racismo. São tentativas de negar a realidade afirmando não haver um critério social e político que especifique definitivamente quem são os negros e brancos na sociedade brasileira.

Uma rápida análise dos números e dos indicadores sociais bastará para que percebamos, objetivamente, que se construiu um conceito político e social da raça que existe e funciona na definição de lugares e barreiras sociais. Sabemos que a raça em sua concepção biológica do século XIX já foi superada nos debates acadêmicos em todo o mundo. Entretanto, sabemos também que, no Brasil, a categoria racial subsiste enquanto construção política e social e que sujeitos com determinadas características físicas, fenotípicas, morfológicas estão sujeitos à determinados benefícios ou impeditivos reais na construção de sua própria trajetória de vida e de cidadania.

Ao defender que a raça é uma categoria ultrapassada a sua consideração para efeito da construção da política de ações afirmativas - incorrem na maior iniqüidade da democracia brasileira: a presunção de que todos somos iguais para eximir o Estado de suas responsabilidades. A lógica neoliberal dessa argumentação conduz-nos à controvertidas confusões como se as cotas fossem privilégios anti-republicanos e não uma política séria e eficaz que contribui para a promoção da igualdade.

Temos a convicção de que a República é incompatível com a existência de privilégios de qualquer espécie, porém, pensar as cotas como um privilégio, e não como um direito, é desconhecer o sentido, já amplamente consagrado, da definição constitucional da igualdade em que o Estado não tem papel meramente proibitivo, mas, o de indutor de políticas que avancem no sentido da promoção, não meramente formal, da igualdade.

Os opositores das cotas raciais manifestam seu incomodo com essas medidas. Eles não apresentam suas verdadeiras razões, ocultam seu preconceito. Muitos silenciam, tantos outros inventam os mais enviesados argumentos para detratá-las, porém sabemos que o pano de fundo é a existência do racismo revestido de novas roupagens. Sim, o racismo muda.

Os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais afirmam que não somos 90 milhões de negros e negras e de que é difícil identificar no mestiço o que é um negro. Agora, não nos furtemos em admitir que o mais claro pode "pegar mais identidades no armário" do que o mais preto. Portanto, negro, mestiço e pardos, são identidades funcionais que se coadunam para a disputa política contra um time poderoso que quer um mundo sem "identidade" e sem "diversidade".

Um dos maiores problemas da nossa sociedade é o racismo, que, desde o fim do século passado, é construído com base em essencializações sócio-culturais e históricas, e não mais necessariamente com base na variante biológica ou na raça. Não se luta contra o racismo apenas com retórica e leis repressivas, não somente com políticas universalistas, mas também, e, sobretudo, com políticas focadas ou específicas em benefício das vítimas do racismo numa sociedade onde este é ainda vivo. É neste sentido que defendemos as políticas de ação afirmativa e de cotas raciais para o acesso ao ensino superior e universitário. No pensamento dos opositores das ações afirmativas, todos os que fazem parte desse bloco querem racializar o Brasil.

Defendemos as cotas em busca da igualdade entre todos os brasileiros, brancos, índios e negros, como medidas corretivas às perdas acumuladas durante gerações e como políticas de inclusão numa sociedade onde as práticas racistas cotidianas presentes no sistema educativo e nas instituições aprofundam cada vez mais a fratura social. Cerca de 80 universidades públicas estaduais e federais que aderiram à política de cotas sem esperar a Lei entenderam a importância e a urgência dessa política. Acontece que essas universidades não são dirigidas por negros, mas por brancos que entendem que não se trata do problema do negro, mas sim do problema da sociedade, do seu problema como cidadão brasileiro. Tudo não passa de maquinações dos que gostariam de manter o status quo e que inventam argumentos que horrorizam a sociedade. Quem está ganhando com as cotas? Apenas os alunos negros ou a sociedade como um todo? Quem ingressou através das cotas? Apenas os alunos negros e indígenas ou entraram também estudantes brancos da escola pública?

Para o Mestre kabengele Munanga, este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual a humanidade é uma natureza ou uma essência e como tal possui uma identidade genérica que faz de todo ser humano um animal racional diferente dos demais animais. Eles afirmam que existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnias, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático. Considerando a categoria raça como uma ficção, eles advogam o abandono deste conceito e sua substituição pelos conceitos mais cômodos, como o de etnia. De fato, eles se opõem ao reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos. Aqui temos um antirracismo de igualdade que defende os argumentos opostos ao antirracismo de diferença. As melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade, deveriam ser somente universalistas. Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e, conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica dominante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de reconhecimento das diferenças poderão incentivar os conflitos raciais que, segundo dizem, nunca existiram. Assim sendo, a política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de democracia racial, etc. Perguntamos se alguém pode se tornar racista pelo simples fato de assumir sua branquitude, amarelitude ou negritude?

A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social. Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico, tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.

Poderão as duas abordagens se cruzar em algum ponto em vez de se manter indefinidamente paralelas? Essa posição maniqueísta reflete a própria estrutura opressora do racismo, na medida em que os cidadãos se sentem forçados a escolher a todo o momento entre a negação e a afirmação da diferença. A melhor abordagem seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana.

Muitos brasileiros ainda não acreditam na existência do racismo. Eles acham que a questão é simplesmente económica, de classes, ou uma questão social. Como se o machismo e a homofobia não fossem uma questão social. Todas as questões que tocam a vida do colectivo são sociais, mas o social não é algo abstracto, tem especificidade, tem endereço, sexo, religião, cor, idade, classe social.

Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública, o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso nada é feito. Não se esqueça que quando as escolas públicas no Brasil eram boas, os negros e pobres não tiveram acesso a ela. Havia outros mecanismos que os ¬excluíam. Então não adianta dizer que basta melhorar o nível das escolas públicas. Mesmo porque isso significaria acabar com a clientela das escolas particulares, que possuem um forte lobby e não tem nenhum interesse em ver escolas públicas de boa qualidade.

O que o Estado Democrático de Direito, a República, o interesse público podem esperar quando se alinham, em uníssono à maneira de campanha, os conglomerados de comunicação que, no Brasil, são os proprietários privados dos mais influentes veículos da imprensa nacional? Uma única coisa: o abuso do direito constitucional à liberdade de expressão e de opinião. A coação dos demais poderes institucionais. O desrespeito ao princípio de igualdade de oportunidade, cerne da democracia. Eles se consideram os donos da verdade e da opinião pública e pensam que representam o real. Especialistas em relações raciais na sociedade brasileira são ungidos por estes meios de comunicação, e tornam se celebridades.

Assistimos a essa manipulação dos conglomerados midiáticos - donos da TV aberta com suas filiadas em todo o território brasileiro, controladores da TV por assinatura, de emissoras de rádio; jornais, poderosos portais, das maiores revistas noticiosas semanais, e de vários outros tentáculos midiáticos articulados entre si, no afã de desqualificar a justa reivindicação por políticas de ações afirmativas e por cotas raciais para ingresso nas universidades públicas federais, mantidas com recursos públicos, pagas também com o nosso dinheiro através dos impostos que pagamos.

Diz o jornalista Fernando Conceição que esse poderosíssimo Leviatã apresenta-se na atual conjuntura como o sucedâneo do Leviatã hobbesiano. O propósito do monstro é amedrontar a sociedade repetindo insaciável, incontinenti e monocordiamente que o Inferno em breve se instalará no Brasil se os projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional – O estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas – forem aprovados.

Ambos estabelecem, pela primeira vez no país, um sistema de políticas sociais compensatórias, inclusive de acesso às universidades públicas federais, como forma de corrigir as profundas desigualdades repercutidas até hoje pelos mais de 300 anos de escravidão negra e indígena que marcam a história socioeconômica brasileira. A grande mídia simplifica as políticas compensatórias, desqualificando-as, reduzindo a sua importância e a sua real proposição.

"Raça" sempre foi utilizada pelos "senhores da terra", desde o inicio da colonização nas Américas, como traço distintivo. Aos africanos, trazidos como escravos para todo tipo de trabalho, foi-lhes pregada a definição de "negros" como marca de um tipo de animal racialmente inferior aos demais humanos. Não importaram as suas diferenciações culturais, ou étnicas, tampouco as suas tradições de origem. Todos são (ou eram) da "raça" negra, conseqüentemente podendo ser escravos pelo estatuto do ordenamento jurídico da Colônia e do Império. O racismo foi uma das ferramentas ideológicas de organização da exploração colonial. A República não solucionou, até o presente, essa equação.

Como diria Nei Lopes, o tempo, ironicamente, se encarrega de clarear muita gente, no entanto, o Movimento Negro antes de sentir-se chocado com a afirmação de um jornalista, segundo a qual "os negros usam os pardos para engordar os números da miséria, mas depois se afastam dos benefícios", pelo contrário, ficamos profundamente indignados. Como sempre, os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais, voltam ao passado mais obscurantista para justificar seus argumentos supostamente modernos. No embate contra as políticas públicas que buscam a igualdade entre negros e não negros no Brasil, procuram jogar os negros de pele mais clara, os chamados "pardos"), contra os mais pigmentados. Exatamente como ensinou Maquiavel; como fizeram os europeus na África, do século 15 ao 20 “dividir para reinar, para dominar. E alguns, tornam-se ”capitães do mato do século XXI“, felizes em mais uma vez servir a Casa Grande, reproduzindo o sofisticado discurso do racismo contemporâneo.

O reconhecimento de que a pobreza atinge preferencialmente a parcela negra da população, como decorrência entre outros fatores do racismo estrutural da sociedade brasileira e da omissão do poder público, aponta a necessidade que o Estado incorpore nas políticas publicas direcionadas à população de baixa renda a perspectiva de que há diferenças de tratamento de oportunidades entre estes, em prejuízo para homens e mulheres negras.

Embora há décadas o Movimento Negro denuncie o racismo e proponha políticas para sua superação, somente uma política articulada e contínua, será capaz de reduzir a imensa dívida histórica e social que a sociedade brasileira têm para com a população negra, submetida à exclusão social e econômica. Os negros e negras são os mais pobres dentre os pobres, de modo que as políticas de caráter universal que ignore tais diferenças de base entre os grupos raciais têm servido tão somente para perpetuar e realimentar as atuais desigualdades.

Para tornar eficazes os direitos individuais e coletivos, os direitos políticos e sociais, os direitos culturais e educacionais, o Estado tem que redefinir o seu papel no que se refere à prestação de serviços públicos, de forma a ampliar sua intervenção nos domínios das relações intersubjetivas e privadas, buscando traduzir a igualdade formal em igualdade de oportunidade e tratamento. Entre essas políticas, defendemos a implementação das Ações Afirmativas e as Cotas Raciais como medida capaz de efetivar com mais equidade o acesso da juventude negra, da juventude pobre e dos povos indígenas, nas instituições federais e estaduais públicas do ensino superior e do ensino de tecnológica.

Segundo o Antonio Sergio Guimarães, a democracia na Europa ou nos Estados Unidos se estabeleceu pela negação das diferenças raciais e étnicas não essenciais à cidadania, em países regidos por esta ideologia democrática e universalista como o Brasil, que impede que tais diferenças sejam nomeadas, mas onde subsistem privilégios materiais e culturais associados à raça, à cor ou à classe, o primeiro passo para uma democratização efetiva consiste justamente em nomear os fundamentos destes privilégios: raça, cor, classe. Tal nomeação racialista transforma estigmas em carismas. Para o Movimento Negro Brasileiro, as ações afirmativas e as cotas raciais como medidas necessários para o ingresso da juventude negras, da juventude pobre e dos povos indígenas no ensino superior público tem um efeito agregador sobre a nacionalidade, muito longe do efeito desagregador, como querem os que temem o racialismo, ou um efeito político revolucionário, como querem os que temem o não-racialismo. É por razão que os negros e negras brasileiros encontram seus potenciais aliados no campo das classes, e no plano da luta mais básica pelo respeito aos direitos inalienáveis dos seres humanos, até porque a comunidade negra e indígena apenas quer educação. As ações afirmativas e as cotas raciais são uma importante política de inclusão social em curso no país. Por essa nobre razão esperamos do STF uma manifestação positiva e favorável a este pleito da juventude negra, dos jovens pobres e dos povos indígenas. Aguardamos do STF um posicionamento que contribua na redução das desigualdades raciais na educação. E, concluímos, conclamando todos a continuar a luta junto conosco, no espírito do poeta e líder do povo angolano, Agostinho Neto: “Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”.

Marcos Antonio Cardoso
CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras/Brasil.

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) usou da palavra para destilar todo o seu profundo conhecimento sobre a história do Brasil.

Prezados(as) Listeiros,

Estava como sempre navegando na internet e encontrei uma matéria de um jornalista (não sei a que interesses ele serve mas veja abaixo), onde o Sr. Senador (Demo)stenes Torres aforma que: "os africanos eram os principais responsáveis pelo tráfico de escravos", "que escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos e sim aceitaram concensualmente tais prazeres!!?? ??" levando o Brasil a ter pessoas de pele "misturada"? ????? Pior ainda, dia após a libertação dos escravos, eles eram "cidadãos como qualquer outro com direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade! !!????" Como é que o senador faz uma afirmação dessa??? Como é que tem gente que ainda vota numa pessoa que nega a dor histórica dos negros no Brasil? Causa nojo e angustia ver uma pessoa dizer que os negros são os principais responsáveis pela sua condição. Chega de votar em cadidatos que se comportam dessa forma!!!

Fernando Nunes

04/03/2010 - 13:05 -

Ontem, durante audiência no Supremo Tribunal Federal para discutir o sistema de cotas em universidades públicas, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) usou da palavra para destilar todo o seu profundo conhecimento sobre a história do Brasil. Quem ouviu seu discurso saiu com a impressão de que aprendeu várias coisas novas. Que os africanos eram os principais responsáveis pelo tráfico transatlântico de escravos. Que escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos, afinal de contas “isso se deu de forma muito mais consensual” e “levou o Brasil a ter hoje essa magnífica configuração social” de hoje. Que no dia seguinte à sua libertação, os escravos “eram cidadão como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade” – mesmo sem nenhuma política de inserção aplicada. Com tudo isso, o nobre senador deu a entender que os negros foram os reais culpados pela escravidão no Brasil. As frases (da qual retirei trechos que estão entre aspas) foram registradas pelos jornalistas Laura Capriglione e Lucas Ferraz, da Folha de S. Paulo.
A posição do senador é compreensível, se considerarmos que o discurso feito não foi um ataque à reserva de vagas para negros e afrodescendentes e sim uma defesa da elite política e econômica que controlou a escravidão no país e que, com algumas mudanças e adaptações, desembocou em setores do seu próprio partido.
Depois me perguntam por que a proposta que confisca terras de quem usou trabalho escravo está engavetada no Congresso Nacional…
Um comentário sobre o direito dos libertados exposto pelo senador: Em meados do século 19, com o fim do tráfico transatlântico de escravos, a propriedade legal sob seres humanos estava com os dias contados. Em questão de anos, centenas de milhares de pessoas estariam livres para ocupar terras virgens – que o país tinha de sobra – e produzir para si próprios em um sistema possivelmente de campesinato. Quem trabalharia para as fazendas? Como garantir mão-de-obra após a abolição?
Vislumbrando que, mantida a estrutura fundiária do país, o final da escravidão poderia representar um colapso dos grandes produtores rurais, o governo brasileiro criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de produção. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas após a extinção do tráfico de escravos, em 1850, e criou mecanismos para a regularização fundiária. As terras devolutas passaram para as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não doá-las como era feito até então.
O custo da terra começou a existir, mas não era significativo para os então fazendeiros, que dispunham de recursos para a ampliação de seus domínios. Porém, era o suficiente para deixar ex-escravos e pobres de fora do processo legal. Ou seja, mantinha a força de trabalho à disposição do serviço de quem tinha dinheiro e poder.
Com o trabalho cativo, a terra poderia estar à disposição para livre ocupação. Porém, com o trabalho livre, o acesso à terra precisava ser restringido. A existência de terras livres garante produtores independentes e dificulta a centralização do capital e da produção baseada na exploração do trabalho. Com o fim do tráfico e o livre mercado de trabalho despontando no horizonte, o governo brasileiro foi obrigado a tomar medidas para impedir o acesso à terra, mantendo a mão-de-obra reprimida e alijada de seus meios de produção.
O fim da escravidão não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de empreendimentos continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão como forma de possibilitar uma margem de lucro maior ao empreendimento ou mesmo lhe dar competitividade para a concorrência no mercado. Desde 1995, mais de 36 mil escravos contemporâneos foram libertados pelo governo de fazendas de gado, soja, cana…
Para além dos efeitos da Lei Áurea, que completa 122 anos em maio, trabalhadores rurais ainda vivem sob a ameaça do cativeiro. Mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas.
Mas, principalmente, o Brasil não foi capaz de garantir que os libertos fossem tratados com o respeito que seres humanos e cidadãos mereciam, no campo ou na cidade. Herança maldita presente na sociedade. E alimentada por discursos como o de Demóstenes Torres.
PS: Posto o discurso do senador (a partir do minuto 33) a pedido de leitores. O que me lembra que um político é capaz de falar qualquer coisa de uma forma bonita…