A troca de experiências entre cidadãos brasileiros e estadunidenses selou mais uma etapa do Plano de Ação Conjunta Brasil - Estados Unidos para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e Promoção da Igualdade, realizada durante a IV Reunião do Grupo Diretor, em Atlanta, capital do estado da Georgia (EUA), nos dias 20 e 21 de maio, sob o tema "Um chamado para a ação".
A solenidade de abertura foi realizada no Centro Martin Luther King Jr., espaço monumental que reúne o túmulo de um dos líderes mais expressivos da luta pelos Direitos Civis, além de um museu com os registros de sua história pessoal e do movimento pelo qual dedicou boa parte de sua vida.. Saudando pesquisadores, representantes de movimentos sociais, da iniciativa privada e de governos de ambos os paises, o ministro da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), Eloi Ferreira de Araújo, parafraseou King em seu mais popular discurso: "Temos um sonho que ganha cada vez mais concretude", disse.
"Estamos diante de uma política de estado que é vai muito além de uma política de Governo, e que se insere na agenda de ambos os países. Tanto que o plano começou no Governo anterior e não perdeu o fôlego", avaliou o ministro, referindo-se ao fato de o acordo de cooperação ter sido assinado em março de 2008, pela então Secretária de Estado, Condoleezza Rice, ainda durante a gestão de George Bush, e pelo ex-ministro da SEPPIR, deputado federal Edson Santos.
O subsecretário de Estado americano para a América Latina, Arturo Valenzuela, ressaltou que esta iniciativa de cooperação bilateral não tem precedente histórico. Especialmente por exigir o trabalho conjunto do Poder Público, Iniciativa privada e Sociedade Civil, dos dois países. "Este é um novo território para nós, diplomatas", resumiu Valenzuela. O embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shanon, explicou que a cooperação bilateral não se limita a melhorar as relações entre o Itamaraty e o Departamento de Estado, mas envolve a relação entre os povos dos dois países, que ocupam posição de liderança no continente. Isto apesar da diferença na composição étnica de suas populações: enquanto o Brasil tem 50,6% de negros, nos EUA a proporção de afro-americanos equivale a aproximadamente 13% de seus habitantes.
Para Milt Druker, diretor para o Hemisfério Sul do Departamento de Estado dos EUA, o setor privado tem, em seu país, tradição de investimento em ações afirmativas, o que pode ser mais uma contribuição para as ações de intercâmbio. Druker esclareceu, ainda, que não se trata de benevolência, mas sim de uma decisão empresarial, baseada no conceito de responsabilidade social. "Temos conversado com líderes brasileiros que nos relatam a preocupação com o acesso desigual à educação, em especial à oportunidade de qualificação da mão-de-obra, o que é preocupante num país com uma economia dinâmica, crescente e promissora", acrescentou.
De acordo com o ministro Eloi, o passo seguinte é a consolidação dos relatórios a serem produzidos pelos grupos de trabalho, para que sejam listadas as prioridades mútuas, o que será feito na próxima reunião, prevista para acontecer no Brasil, dentro de três meses. Um dos pontos de consenso foi a continuidade do intercâmbio, inaugurado com seminário na área de segurança pública., realizado em Brasília no dia 13 de maio deste ano. O objetivo vem sendo oferecer subsídios para que os policiais incorporem em sua formação o respeito à diversidade etnicorracial.
Os avanços do Brasil no tratamento e prevenção da anemia falciforme - doença com grande incidência sobre a população de descendência africana - também serão objeto de futura cooperação. Outra possibilidade de intercâmbio já identificada está prevista para a área de educação superior. E o exemplo vem de três jovens negros brasileiros, admitidos na Morehouse - universidade criada em 1867 para atender à demanda educacional dos negros após a abolição da escravidão nos Estados Unidos.
Um deles é Leonardo Vieira, de 25 anos, egresso de escola pública, que acaba de graduar-se sociólogo, com louvor, graças ao convênio da Morehouse com o Instituto Steve Biko, organização não-governamental sediada em Salvador (BA). Questionado sobre as chances de cursar uma universidade em seu próprio país, ele é categórico: "Precisamos fortalecer a atuação das ONGs mas também investir em políticas públicas, como o sistema de cotas raciais".
Sociedade Civil tem participação ativa no encontro
A IV Reunião do Grupo Diretor do Plano de Ação Conjunta Brasil - Estados Unidos para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e Promoção da Igualdade, teve participação ativa de lideranças de movimentos sociais. Os painéis e debates tiveram a participação de 100 pessoas, que se dividiram em torno de quatro eixos temáticos: Justiça, Empoderamento Econômico e Trabalho; Saúde; Educação e Cidadania.
As apresentações e debates foram realizados no Morehouse College, na cidade de Atlanta (Geórgia), um centro de excelência acadêmica que integra a rede de mais de 100 instituições de ensino superior dos Estados Unidos, dedicada à formação de afro-americanos.
Entre os temas discutidos foi a utilização da mídia como instrumento para superação das desigualdades raciais. Além de convidados brasileiros, estiveram presentes o ator e ativista afroamericano Hil Happer e a reverenda Bernice, filha de Marting Luter King. Considerado um dos talentos emergentes de Hollywood, Happer falou sobre a importância da elevação da autoestima da juventude negro-americana e sobre a necessidade de se estimular o protagonismo negro nas produções veiculadas pela TV.
Já Bernice alertou para o fato de que a eleição de Obama não deve significar um esmoreciemento dos movimentos em defesa das ações afirmativas no país. Ela entende que é preciso manter o compromisso de seu pai: de luta pacífica mas intransigente pela igualdade racial."Será necessário um Plano de Ação como este para cada geração", observou.
Além dos painéis, as experiências mais ricas foram as vivenciadas pelos brasileiros que participaram do Programa de Visitas promovido pelo Departamento de Estado. Um grupo de jornalistas, por exemplo, teve a oportunidade de conhecer Thomas A. Laveist, diretor do Centro de Saúde para a População Negra que funciona no Hospital Johns Hopkins University, em Baltimore, um dos principais pólos mundiais de pesquisa na área médica.
Lá souberam que Laveist é um dos apenas 12 negros num universo de 300 professores.
O grupo conheceu também a sede da centenária NAACP, a Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor, entidade que até hoje edita a Crisis - a mais antiga publicação voltada à conscientização da população negra dos Estados Unidos. E que sobrevive num mercado editorial, na disputa com mais duas revistas segmentadas e consagradas.
Outra delegação brasileira teve o roteiro de visitas estruturado em torno dos Jogos Olímpicos de 1996, sediados em Atlanta. Puderam avaliar o legado social deixado pela realização de um dos maiores eventos esportivos mundiais.
Na agenda cumprida pela delegação que reuniu organizações não governamentais, o destaque foi para o "pequeno Haiti", em Miami, estado da Flórida. Localizado na periferia, o bairro é considerado a maior comunidade haitiana no exterior. Lá, os participantes brasileiros identificaram a possibilidade de contribuir com vários projetos realizados em nosso país. Exemplos de tecnologia social que o Brasil vem exportando para comunidades carentes de vários países.
Já o grupo de juventude participou de reunião na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), onde conheceram projetos de ação afirmativa desenvolvidos pela instituição. Em Chicago, o grupo visitou o Museu Du Sable, dedicado à memória afro-americana e lá identificou a possibilidade de conseguir espaço para divulgação da história da resistência negra no Brasil, narrada sob a perspectiva da juventude. Na mesma cidade, o roteiro incluiu a visita do grupo a um centro de referência voltado a jovens negros que vivem em situação de privação de direitos.
Leia a integra do Plano de Ação Conjunta Brasil Estados Unidos.
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