A cruzada contra a guerra suja
Líderes religiosos se unem a Dilma para impedir que discussões fundamentalistas tomem o lugar do debate político no segundo turno das eleições presidenciais
Claudio Dantas Sequeira e Alan RodriguesDesde a manhã da segunda-feira 4, a rotina de sermões do pastor evangélico Manoel Ferreira foi radicalmente substituída por uma sequência interminável de reuniões políticas. A mais importante delas ocorreu na quarta-feira 6 à tarde. Trancado no gabinete de Gilberto Carvalho, no Palácio do Planalto, o líder religioso disse ao assessor do presidente Lula que a insistência da oposição em explorar a questão do aborto no segundo turno poderia minar a estratégia da campanha de Dilma Rousseff de discutir propostas concretas para o futuro do País. “Não devemos ficar presos a esse debate superficial que só atende a interesses obscuros”, afirmou Ferreira. O pastor foi convocado às pressas a Brasília para comandar o exército que saiu em defesa da candidatura de Dilma em meio à guerra suja alimentada, nos últimos dias, pelo PSDB na disputa à Presidência da República. Numa tentativa de desgastar a imagem de Dilma perante o eleitorado, os tucanos têm disseminado a tese de que a candidata do PT é a favor da descriminalização do aborto, das drogas e da união homossexual. “É um debate fundamentalista”, disse o pastor à ISTOÉ. Para mudar a situação, o líder religioso sugeriu a Gilberto Carvalho uma série de medidas. A principal delas, o enterro, sem velório, do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). “Esse documento é o centro irradiador de toda a polêmica.” Presidente da Assembleia de Deus de Madureira e da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CNAD), corrente que congrega oito milhões de evangélicos, Ferreira é conhecido pelo carisma e pela capacidade de mediação. Deputado federal pelo PR do Rio, o pastor é amigo de Lula desde a eleição de 1994. “Lula é o presidente mais sensível às demandas religiosas que o Brasil já teve”, defende Ferreira. Ele espera selar de vez a paz com as principais lideranças religiosas, católicas e evangélicas, num encontro na quarta-feira 13. Ao longo da semana passada, Ferreira telefonou para dirigentes da CNBB, da Igreja Universal, da Assembleia de Deus e dos movimentos carismáticos. A ideia é reuni-los com Dilma e o presidente Lula, a fim de convencê-los a apoiar a candidatura petista em troca de um compromisso definitivo sobre as principais demandas religiosas. Além do enterro do PNDH-3, Ferreira sugere o arquivamento do PL-122, que criminaliza a homofobia. Esse compromisso de Dilma com os segmentos religiosos seria consolidado numa nova versão da Carta ao Povo de Deus, como a divulgada por Dilma em agosto. O rascunho do texto será elaborado na segunda-feira 10, quando Dilma reunirá os coordenadores de campanha no hotel Brasília Imperial às 10h.
Essas iniciativas serão fundamentais para duas coisas: em primeiro lugar, esclarecer que Dilma, uma vez eleita, não interferirá no debate sobre aborto e outros temas sensíveis, que ficarão a cargo do Congresso. E, em segundo, focar a campanha no detalhamento do programa de governo e nas dife ren ças entre os projetos petista e tucano, especialmente a questão das privatizações e o marco regulatório do pré-sal. “Vamos priorizar aquilo que nos diferencia. Ontem, Serra defendeu fortemente as privatizações. Está ficando explícito quais são as diferenças. Esse é o debate do segundo turno. Eles são contra a ideia de fortalecer a Petrobras, o Estado, no processo de exploração do pré-sal”, disse na quinta-feira 7 o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
A preocupação da campanha do PT está amparada em pesquisas internas realizadas na última semana. As consultas constataram que a sangria de votos continuava com força. Para se ter uma ideia do estrago feito no eleitorado evangélico, na Baixada Fluminense – que representa 2,5% do eleitorado brasileiro e onde Dilma teve seu primeiro compromisso de campanha do segundo turno – os eleitores chegavam a dizer que queriam “votar pelo continuísmo de Lula, mas não em Dilma”. Na verdade, as entrevistas mostram que o eleitor não tem nenhuma motivação para votar em Serra, mas revelava medo de optar pela petista. Ou seja, os boatos vinham distorcendo o verdadeiro debate eleitoral. “É um absurdo mexer com o preconceito das pessoas, em vez de se discutir a realidade. É uma baixaria usar a religião, de forma fácil e errada, nas eleições”, diz Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia da USP.
Esse desvirtuamento do debate político levou o arcebispo metropolitano de São Paulo e secretário-geral da CNBB, cardeal dom Odilo Scherer, a se manifestar sobre o caso. “A polarização em torno do assunto não é boa, porque temos muitos temas que devem também ser levados em consideração na hora do voto”, disse o cardeal no encerramento da Semana Nacional da Vida, em São Paulo. Para dom Demétrio Valentim, da Diocese de Jales, interior de São Paulo, a questão do aborto está sendo “instrumentalizada para fins eleitorais”. A crítica é respaldada por um cacique petista. “O sentimento religioso de nosso povo está sendo usado de forma indevida. No PT temos vários credos. Querem que o País regrida à Idade Média?”, questiona.